A possibilidade de reconversão de garagens ou lojas para uso habitacional de forma simplificada fez disparar a procura por estes imóveis. Logo após a publicação do Simplex dos licenciamentos urbanísticos, em janeiro deste ano, as mediadoras imobiliárias registaram um forte aumento de pedidos por estes espaços. A escassez de casas no mercado, a que acresce os elevados preços, estão a levar os portugueses a procurar soluções alternativas de habitação. Mas também neste nicho há mais demanda do que oferta.
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Entre fevereiro e abril, a Re/Max sinalizou um aumento de 8,2% na procura de garagens, de 7,6% de lojas e de 1,1% de armazéns face aos três meses anteriores à publicação do Decreto-Lei n.º 10/2024 (outubro a dezembro). Segundo Manuel Alvarez, presidente da rede em Portugal, a Re/Max “recebia, em média, 1921 pedidos por mês de lojas nos três meses anteriores ao DL, mas nos três meses seguintes o número de pedidos ultrapassou os dois mil mensais, estando em média nos 2067 por mês”. Mesmo em janeiro chegou aos 2375 pedidos. “Se nos restringirmos apenas aos negócios de compra/venda, a procura de lojas aumentou 18,4% entre os dois períodos e no conjunto dos três tipos de imóveis situou-se nos 14%”, revela ainda.
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Rui Torgal, CEO da Era, reconhece “um evidente aumento de procura por este tipo de imóveis desde o início do ano”, que parece evidenciar “uma relação entre a criação e consequente entrada em vigor [em março] do Simplex para a habitação”. Nos primeiros cinco meses deste ano, a Era Portugal registou “um incremento de 84% nas vendas reportadas de garagens, 172% nas lojas, e 158% de armazéns” face ao mesmo período de 2023. Como justifica, se juntarmos à crise que o país atravessa no setor da habitação “uma lei que facilita a transformação de garagens, lojas e armazéns em habitação, julgo que temos o cenário perfeito para que a procura por este tipo de imóveis acabe por aumentar”.
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A procura por estes imóveis prende-se com “uma questão de preço”, diz Marco Tairum, CEO da Keller Williams Portugal. “Garagens, armazéns e em alguns casos também lojas e escritórios têm um preço por metro quadrado mais atrativo do que o imóvel destinado a habitação”. No entanto, nesta fase, a procura está a ser mais impactada pela possibilidade de reconversão dos espaços em habitação do que pelos proprietários desses imóveis, considera. Prova disso é que, este ano, o número destes espaços para venda na KW é idêntico ao de 2023, cerca de 800 espaços. Já a Era registou um aumento homólogo de 30% nas angariações de garagens nos primeiros cinco meses deste ano, mas uma quebra de 30% na captação de espaços comerciais e de 25% de armazéns.
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A Re/Max também verificou um aumento da oferta, “mas não tão significativa quanto desejável”. Segundo Manuel Alvarez, considerando todos os tipos de imóveis e de negócios, “a oferta da rede aumentou 8,1% entre fevereiro-abril 2024 face a outubro-dezembro 2023”, mas nas garagens, lojas e armazéns “para negócios de compra/venda não superou os 1%”. No final de maio, a carteira da Re/Max destes três tipos para venda rondava as 4000 unidades, enquanto que em finais de dezembro de 2023 pouco ultrapassava as 3900 unidades. Na Century 21, a oferta destes imóveis em comercialização aumentou desde janeiro cerca de 10% comparativamente com o mesmo período do ano passado – contudo, representa apenas 6,5% da carteira, revela o CEO, Ricardo Sousa. Neste momento, a rede tem 951 espaços deste género à venda.
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A oferta está concentrada nas grandes cidades. Na Re/Max, 8,6% destes imóveis estão no concelho de Lisboa, 5,1% em Sintra, 3% em Braga, 2,8% em Guimarães, 2,7% em Oeiras e 2,3% no Porto. Na Era, são as duas maiores metrópoles do país que agregam mais oferta, mas Leiria destacou-se como a cidade com mais angariações de garagens nos últimos cinco meses. Também a KW conta mais anúncios nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, e na ilha da Madeira. Apesar deste movimento na procura e na oferta, ainda não é possível atestar se estes imóveis que podem ser transformados em casas são para habitação própria ou para negócio, aponta Rui Torgal.
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Com as novas regras do licenciamento urbanístico, é possível a reconversão de imóveis para uso habitacional de espaços qualificados para equipamentos, comércio e serviços. Os interessados têm apenas que comunicar previamente a sua intenção à autarquia, que tem 20 dias para responder ou iniciar o processo de vistoria. Esta possibilidade que surge com o Simplex afigura-se “um contributo positivo para todos os cidadãos que pretendam ter uma habitação própria a preços mais acessíveis”, mas “nunca será a solução para a crise” de habitação que o país atravessa, considera Rui Torgal.
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“É uma gota no oceano”, diz Marco Tairum, que também aponta dificuldades na conversão destes imóveis em habitações. Como exemplifica, “se estivermos perante uma loja de 300 m2 que só tenha uma vitrina, não se poderá criar divisões, uma vez que todos os quartos precisam de ter luz natural”. Para Manuel Alvarez, “a reconversão não é nem será suficiente” para resolver a elevada escassez de oferta de habitações, “é apenas parte de uma solução complexa”. Por sua vez, Ricardo Sousa lembra que o problema “exige soluções tanto estruturais quanto temporárias”, que passam pela revisão das políticas regulatórias, flexibilização das limitações de ocupação dos solos e das densidades urbanísticas (incluindo construção em altura), adoção de métodos construtivos mais eficientes e sustentáveis, entre outras.
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Artigo original por Sónia Santos Pereira em Dinheiro Vivo